Do general chinês Sun Tzu (séc. V a.C.) ao pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), a ideia de dividir para reinar sempre foi associada à estratégia de separar as forças inimigas para enfraquecê-las e, assim, vencer a batalha.
Dividir as próprias tropas,
porém, não é uma prática comum, mas foi a base do plano implementado pelo
governo de Passos Coelho, ele foi os trabalhadores desempregados contra os
trabalhadores no activo, ele foi empregados a tempo incerto contra
trabalhadores com vínculo definitivo e a pior dessas divisões foi a de colocar
trabalhadores do sector privado contra os trabalhadores da administração
pública.
Não é por acaso que hoje em dia,
qualquer trabalhador do sector privado diz sem qualquer despudor que os
trabalhadores da administração pública são malandros, ganham muito e vivem à
custa dos impostos pagos pela restante população activo.
Mas há uma coisa que se
esqueceram de dizer, são os trabalhadores da administração pública que garante
a segurança das populações, são eles que educam as nossas crianças, são ainda
eles que garantem a saúde dos Portugueses, também convém não esquecer que é
graças aos “malandros” da administração pública que os governos conseguem
arrecadar dinheiros para eles próprios distribuírem entre a sua clientela.
Mas vamos falar da recente
decisão do governo de António Costa em devolver aos trabalhadores da
administração pública o seu horário de 35 horas semanais, contra esta medida
tem sido levantado todo um conjunto de objecções que tem como objectivo que a
população veja os trabalhadores públicos como uns malandros que não querem
trabalhar e apenas gozar à custa dos impostos dos restantes trabalhadores, como
se os próprios funcionários não pagassem também impostos.
Basta estar atento aos
comentadores de serviço nas TV’s’, todos eles destilam o seu ódio de estimação
quando abordam esta questão.
Como nenhum povo poderá evoluir
desconhecendo a sua própria história, talvez não fosse mau que os arautos
desgraça estudassem um pouco a evolução de horas de trabalho, e essa evolução
passa por uma redução da carga horária de trabalho e não pelo seu contrário. Ou
não foi para isso que se deram as revoluções, industrial e tecnológica?
Com o aumento das trinta e cinco
para as quarenta horas de trabalho ocorrido em 2013, no governo de Passos Coelho
pode considerar-se com o maior retrocesso a que jamais de assistiu, podendo
mesmo apelidar-se de uma medida contra-natura.
Agora que o governo actual a
aprovar legislação para a reposição das trinta e cinco horas não está a fazer
mais que a reposição de um direito histórico adquirido pela administração
pública.
Para aqueles que são defensores
das actuais quarenta horas de trabalho, talvez seja bom saberem um pouco sobre
o número de horas de trabalho nos serviços público.
Resenha
histórica do horário de trabalho da AP
Parece que a aversão aos
trabalhadores que exercem funções públicas não é de agora, pois já em 1926, no
seu decreto n.º 12.118 de 14 de Agosto, o governo de então nos dizia no seu
preambulo “Considerando
que os serviços em algumas repartições públicas correm com bastante
irregularidade, devido à pouca assiduidade e falta de compreensão dos seus
deveres por parte de alguns funcionários”, decreta-se
Artigo 1.º As repartições
públicas funcionam em todos os dias úteis, das onze às dezassete horas.
Se fizermos as contas, teremos seis dias úteis a trabalhar seis horas
por dia o que dá, imaginem só, trinta e seis horas de trabalho semanais. Isto
em 1926.
Em 1931, o Decreto n.º 19478 de
18 de Abril, estabelece as condições reguladoras da comparência dos
funcionários e das suas faltas ao serviço, no seu Art.º 1.º diz que as
direcções gerais dos Ministérios e nos serviços destes dependentes, com ou sem
autonomia, duraram seis horas em cada dia, iniciando-se às onze horas.
Este decreto estabelece ainda que
o pessoal menos, certamente contínuos, limpeza,
etc, deverá entrar uma hora mais cedo, sendo os últimos a sair. Dai que
se pondere que o horário de trabalho deste grupo profissional seria de 42 horas
semanais.
Mais uma vez fica patente que em 1931, os funcionários públicos
trabalhavam 36 horas semanais, já que nessa altura, o trabalho ao sábado era
tido como um dia de trabalho normal.
Pelo Decreto-Lei n.º 37.118 de 27
e Outubro de 1948, uma vez que havia necessidade de adaptar o horário de
trabalho nos serviços públicos aos usos correntes da vida, no seu Art.º 1º é
dito “A partir de 1 Novembro próximo, o trabalho de secretaria em todas as
direcções-gerais dos Ministérios e nos serviços destes dependentes, com ou sem
autonomia, será de seis horas diárias completas, compreendidas entre as 9 horas
e 30 minutos e as 17, com intervalo de uma hora e trinta minutos, das 12 horas
e trinta minutos às 14 horas, para almoço ou repouso.
Mais uma vez fica manifesto que o horário de trabalho em 1948 é de 6
dias a 6 horas diárias que dão um total de 36 horas semanais.
Pela primeira vez surge a chamada
semana-inglesa, em que os funcionários passam a ter a tarde de sábado livre,
tal medida encontra-se decretada no Decreto-Lei 42.800 de 11 Janeiro de 1960,
passando, de segunda a sexta, o período da tarde a ser das 14 às 17 horas e
trinta minutos, e ao sábado o horário de trabalho fica restrito ao primeiro
período com um acrescente de meia hora.
Em 1960, os trabalhadores da administração pública continuam a
trabalhar 36 horas, ficando livres as tardes de sábado.
Havendo necessidade de um novo
regime jurídico da duração do trabalho na Administração Pública, a resolução
n.º 142/79 de 2 Maio, o governo autoriza os serviços não considerados
essenciais a poderem encerrar aos sábados de manhã, mediante compensação do
respectivo período de trabalho. Assim sendo, o novo horário de trabalho passa a
ser de sete horas e trinta minutos às segundas e terças, e de sete horas nas
quartas, quintas e sextas, num total semanal de 36 horas.
Esta resolução indica ainda a
existência de horários de trabalho de 42 e 45 horas semanais, não indicando quais
o grupos profissionais, porém deduz-se que este horário seja praticado pelo
chamado pessoal menor, ou seja, auxiliares e pessoal operário.
Em 1970, os trabalhadores administrativos, técnico e técnico superior
continuam a trabalhar 36 horas, deixando de trabalhar aos sábados.
Em 1988, era então
primeiro-ministro Cavaco Silva, foi publicado o Decreto-lei 187/88 de 27 Maio a
estipular o horário semanal do trabalho nos serviços públicos de 35 horas para
os grupos técnico superior, técnico, técnico-profissional, administrativo e
telefonistas. Sendo de 40 horas para o pessoal auxiliar e de 45 para o operário.
Estes dois grupos de trabalhadores passaram em 1991 a trabalhar 40 horas
semanais, Decreto-Lei nº 263/91 de 26 Julho.
Em 1988, foi Cavaco Silva, então 1.º Ministro que estabeleceu o regime
de trabalho com horário de 35 horas.
Em 1996 o Decreto-Lei 159/96 de 4
Setembro, vem regular novamente o horário de trabalho na administração pública,
mantendo as 35 horas, porém no seu Artigo n.º 2, altera transitoriamente o
horário de trabalho do pessoal auxiliar e operário, através duma redução anual
de uma hora até atingirem as 35 horas semanais.
Assim, gradualmente todo o pessoal em funções públicas passa a ter 35
horas de trabalho semanal.
Em 1998, o Decreto-Lei 259/98 de 18 Agosto, estabelece o regime geral
das trinta e cinco horas em todos os grupos profissionais da função pública.
Em 2013, com o álibi da crise
económica/política, o governo de Passos Coelho, “pressionado” pela Troika
aumentou o horário de trabalhadores da Administração Pública para as 40 horas
semanais, Lei n.º 68/2013 de 29 Agosto, medida que foi reforçada pelo Artigo
n.º 105 da Lei n.º 35/2014 de 20 Junho.
Conclusão
Como foi aqui provado, o horário
de trabalho da administração pública praticamente há 100 anos que era de 36
depois 35 horas semanais. Foi necessário a implementação de uma política de austeridade
para aumentar esse número de horas de trabalho para as 40.
Mas será que a esse aumento da
carga horária, correspondeu a um aumento a produtividade na administração pública?
Francamente parece-nos que não foi por aumentar uma hora diária de trabalho que
o nosso país saiu da crise ou que a austeridade baixou, antes pelo contrário a
produtividade manteve-se ou até baixou, sabemos que é muito difícil a aferimos
os resultados finais, mas duma coisa temos a certeza, funcionários, sejam eles
do público, sejam eles do provado, se desmotivados, baixam o seu rendimento.
PS:
Faltam-nos elementos sobre o horário
de trabalho anteriores a 1926, caso algum hipotético leitor deste post saiba de
legislação anterior àquela data, agradecíamos a sua divulgação.